O post de hoje é um pouquinho além de meros hábitos do bem...
Todo mundo tem uma musiquinha que toca bem atrás do nosso ouvido. Às vezes ela toca tão alta, que a emoção dela irradia para você completamente; outras vezes ela é tão baixa que quase nunca a ouvimos.
Lembro uma vez uma situação em que estava extremamente feliz - daquelas felicidades que chegam até a arrepiar os braços - e um amigo (que é uma pessoa excepcional) me disse alguma coisa como: "você está sentindo a musiquinha tocar? Ela toca quando a gente está muito feliz, mas quando a gente começa a fazer coisas normais do dia a dia, ela começa a desaparecer, ficar baixinha, quase sumir... quando isso acontecer, tenta fazer alguma coisa pra trazer a musiquinha de volta".
Pois é, e foi não seguindo a recomendação dele é que a minha musiquinha foi acabando por diminuir até um nível impossível de ser ouvida. E ficou assim durante muito tempo. Eram raros os momentos em que ela voltava a tocar. Quer dizer, tocar acho que ela sempre toca. Eu é quem não conseguia ouvir.
Todo mundo já teve momentos em que ouviu sua musiquinha ficar alta (quase que ensurdecedora). O problema é que quando ela está alta, ela atrapalha a gente a fazer nossas coisas e rotinas normais. A gente não consegue preencher papelada, ficar no trânsito, ler o whatsapp ou cumprir rotinas muito tempo com a musiquinha alta. Atrapalha. Então a gente abaixa ela, até ela não ser alguma coisa além de uma memória boa - ah, a lembrança da musiquinha é sempre uma memória boa e nostálgica!
E quando a gente está com a musiquinha baixa, a gente não percebe a vida. Quer dizer, não como deveríamos perceber. É o famoso: a gente sobrevive, mas não vive. É ligar-se no piloto automático com dupla desvantagem: nem apreciamos a jornada nem sabemos exatamente para onde estamos indo.
Quando a musiquinha para de tocar, meu lado criativo desaparece. Some. Eu não consigo sentir nada muito profundo. Eu fico alegre, mas não profundamente feliz. Fico irritado, mas não profundamente triste. Nem dá para começar a escrever uma música ou algo um pouco mais poético (o que é extremamente fácil quando temos a inspiração da musiquinha). Não dá para se questionar muito, porque para tudo a resposta existe. Mas são respostas legitimamente minhas?
Quando a musiquinha para de tocar, parece que cumprimos um script de um filme. Seguimos roteiros pré-determinados, respondemos aos questionamentos que surgem com respostas pré-fabricadas (por outros) que cansamos de ver na tv, internet ou que falam para nós. É exatamente como disse Nick Dunne, em Gone Girl (e goste ou não você da citação, esse trecho resume bastante isso):
"I don't know that we are actually human at this point, those of us who are like most of us, who grew up with TV and movies and now the Internet. If we are betrayed, we know the words to say; when a loved one dies, we know the words to say. If we want to play the stud or the smart-ass or the fool, we know the words to say. We are all working from the same dog-eared scripted.
It's a very difficult era in which to be a person, just a real, actual person, instead of a collection of personality traits selected from an endless automat of characters.
And if all of us are play-acting, there can be no such thing as a soul mate, because we don't have genuine souls.
It had gotten to the point where it seemed like nothing matters, because I'm not a real person and neither is anyone else. I would have done anything to feel real again"
Eu sei exatamente quando a musiquinha começa a tocar. E quando ela toca (e eu tenho tempo para ouvi-la, claro), é sensacional. Eu começo a fazer coisas estranhas, como questionar tudo, absolutamente tudo - um questionamento quase paralisante, porque se não temos resposta para nada, como eu não tenho, não há quase estímulos para fazer nada. E todos os questionamentos só trazem um ponto incontestável: o desejo de que a musiquinha não acabe. A única, única resposta mesmo que tiro como verdadeira em todo esse fuzilamento de perguntas é que eu não quero que a musiquinha acabe.
Mas de um jeito ou de outro ela acaba diminuindo de volume. E a vida continua...